Polícia mata menino de dez anos e morremos todos!
Há alguns meses, gerou comoção a imagem de um menino refugiado, Aylan Kurdi, morto quando sua família se arriscava para chegar à Europa pelo mar. Hoje, porém, a morte do menino de 10 anos, assassinado pela PM paulista passa quase despercebida. Fico espantado com o pouco espanto: a imagem do menino brasileiro parece-me igualmente icônica.
No Brasil, crianças em situação de risco social – e, no caso, pode-se dizer em situação de rua – tendem a uma certa invisibilidade. Estão fora dos limites do território daqueles que “valem a pena”. Assim, não se poderia esperar outra coisa senão a negação desta morte como acontecimento revelador de nossa conduta como sociedade.
É verdade houve manifestações contrárias à PM, como se fosse ela, e somente ela, a responsável pela barbárie. Faço coro no manifesto contra a truculência da PM de São Paulo que, capitaneada pelo governador Geraldo Alckmin, dá espetáculos de horror: criminalizando movimentos sociais e estudantis, matando gente pobre na periferia, apresentando-se como o braço armado do Estado que garante esta linha divisória entre os que “valem” e o que “não valem a pena”.
No entanto, no caso de crianças e adolescentes em situação de rua, pode-se dizer que isso não é tudo. A polícia, aceita a tarefa social de apertar o gatilho, mas é preciso reconhecer que há uma sociedade conivente e que de certa maneira pressiona aquele que dispara o tiro. Não há política pública para lidar com esses meninos e meninas. No contato com eles, vamos nos revelando como nação: o país do futuro nega aqueles que são justamente o futuro. A única política pública, aqui, é a polícia. Assim, o Brasil vai construindo a sua própria Faixa de Gaza, onde a solução possível parece ser a bala ou a bomba.
Não reconhecer a nossa parte neste quinhão de violência, atribuindo toda a responsabilidade à decisão do policial que dispara o tiro, é o mesmo que tentar salvar o menino refugiado depois que o barco já virou. Seria imensamente mais fácil e efetivo conhecê-lo antes de sua família decidir pela travessia arriscada do mar.
Se o país se levasse a sério, todos estaríamos parados, hoje. Assim, veríamos a nós mesmos refletidos neste espelho que é a imagem de um menino de dez anos morto num automóvel. Se desejamos algum futuro, nada é mais urgente que garantir o direito à infância. Nada.